Assinala-se hoje o Dia do Ex-Fumador

DR.
Tenho de começar este texto com uma confissão oficial: já não estou numa relação abusiva com o cigarro… há quase 12 meses, optei por terminar este relacionamento que durou alguns anos e acabei por dar prioridade à minha saúde.
Como todas as relações abusivas, criei uma dependência física e emocional com o cigarro, mas, desde há uns meses a esta parte, o tabaco não passa de um ex-companheiro, daqueles com quem decidimos terminar um namoro que não tem pernas para andar, sem pensar duas vezes.
O motivo? Voltei a apaixonar-me verdadeiramente pela vontade de viver a vida. Esta “relação” com o tabaco estava a destruir-me aos poucos, era uma espécie de vício, que me limitava a liberdade. Não havia grande margem para continuar esta relação. Os encontros só podiam acontecer em espaços exteriores. Sim, é curioso perceber que as pessoas, no geral, afastavam-se desta relação tóxica… é como se o ar fosse poluído pela presença de ambos. Ninguém aceitava a nossa relação dentro de quatro paredes!
Só por este motivo percebe-se bem que esta relação estava condenada ao fracasso. No fundo, esta relação só pode ser comparável a uma paixão doentia, que nos tira o fôlego, dia após dia… a verdade é que coloquei um ponto final nesta relação com o cigarro e, quando recuo no tempo, não poderia deixar de me sentir orgulhosa, por ter tido a coragem de cortar as amarras que muitos, por se sentirem reféns de uma dependência, nunca conseguiram cortar. Tenho de congratular todos os ex-fumadores desta vida, porque conseguiram livrar-se de uma relação difícil com o tabaco.
1,2,3 e uma baforada de cada vez… 4,5,6 e mais um prego para o caixão… Parece exagero, não é! Um prego para o caixão. Mas a verdade é que o tabaco, independentemente de ser aquecido ou usado pela via convencional, é responsável por inúmeras mortes prematuras, todos os dias! Não queria ter de dar esta notícia de chofre, mas alguém tem de alertar para os factos, não é verdade? Pior ainda: a decisão de fumar ou abandonar em definitivo este vício depende de cada um de nós, individualmente. E já diz o ditado que mais vale prevenir do que depois remediar.
Quando se larga o cigarro, e meses depois de o nosso corpo se restabelecer sem reservas de nicotina, percebemos que cada “passa” não passa de um tiro quase certeiro na nossa saúde. Se há maneira de “queimar” os minutos que temos nesta vida, essa maneira é através do fumo do tabaco. É uma maneira de queimar o tempo, de subtrair os minutos neste planeta cheio de loucos (é certo!), mas onde habitam algumas das pessoas que mais contribuem para a nossa felicidade.
Foi por este motivo, e por acreditar que há mais vida para além do tabaco, que há aproximadamente 12 meses decidi deixar de fumar. Foi uma decisão difícil, porque acabar um relacionamento tão longo, que durou anos, nunca será algo que se consegue de ânimo leve. Mas teve de ser. Ou seria isso ou iria manter em suspenso um projeto que está prestes a concretizar-se na minha vida: a maternidade.
Já havia feito uma tentativa prévia para abandonar esta relação, que eu sabia ser abusiva, e consegui manter-me afastada do cigarro durante mais ou menos dois anos, depois de um enorme susto, que me limitou a capacidade de respirar. Durante dois anos, enquanto me lembrava da sensação de não conseguir respirar, mantive-me longe desta relação com o cigarro. Sempre tive vontade de colocar um ponto final definitivo nesta relação, mas, como em praticamente todas as relações abusivas, chegamos a pensar que a nossa vida não faz sentido sem aquele elemento da equação: o cigarro.
O cigarro parece a “companhia” perfeita, que está connosco ao final do dia, quando a noite cai e o silêncio parece demasiado pesado. Parece que o cigarro – com quem mantemos uma relação sinérgica – nos deixa mais confiantes e estimula o nosso raciocínio. De repente, deixamos de conseguir pensar sem um cigarro na mão… mas onde está a verdade no meio disto tudo? A verdade é que o cigarro tem um poder magnético e, por vezes, se decidimos dar uma nova oportunidade a esta relação, acabamos por ficar novamente enredados pelo tabaco.
Outra verdade é que só podia “andar de mãos dadas” com o cigarro em espaços exteriores… sentia que havia um certo ostracismo por parte de terceiros relativamente à relação que mantinha com o tabaco. Havia a proibição de me encontrar com o tabaco em espaços fechados. Quase todos os encontros pareciam clandestinos e alguns deles até bastante fugazes.
É um prazer momentâneo, que compartilhava com outros que, como eu, também estavam em relações semelhantes e abusivas com os seus respetivos cigarros. Depois de cada encontro havia alguns olhares de soslaio, provavelmente aqueles que agora lanço a quem ainda mantém relações do género… há uma condenação quase pública, mas silenciosa, porque toda a gente sabe que estas relações tóxicas são prejudiciais. Há avisos públicos e mensagens bem claras que alertam para relações deste género. Há especialistas que se dedicam a ajudar os que querem sair destas relações, mas toda a gente reconhece que estas relações com o cigarro são difíceis de terminar.
Após cada “beijo” que damos a um cigarro ninguém pode negar que fica um amargo de boca… além disso, esta relação tóxica entranha-se nas nossas roupas e nas nossas vísceras. Não há ninguém que não perceba, através dos sinais olfativos e visuais, que estamos numa relação com o tabaco…
Amor (próprio) é um cigarro que se apaga, porque os benefícios para a saúde, após duas a três semanas sem fumar, são incalculáveis. Depois, a longo prazo os benefícios multiplicam-se e o corpo, aos poucos, liberta-se de todos os componentes químicos que nos causaram dependência física e psicológica.
Há quem decida apagar o cigarro de uma só vez da sua vida. A esses, os corajosos e que optaram por dar mais tempo à vida, devo dar os parabéns. Porque, independentemente dos motivos que nos levam a deixar de fumar, a vida vale sempre muito mais do que um simples cigarro.
E bem sei que a tentação está à espreita a cada esquina e que há sempre quem lucre com estas relações abusivas, fazendo acreditar que quem está “numa relação com o cigarro” poderá manter-se assim, sem que esta relação seja minimamente prejudicial. É um logro pensar que há relações com o tabaco que serão eternas, até porque, a dada altura das nossas vidas, iremos perceber que esta relação nos subtraiu tempo de viver. E esse tempo é irrecuperável e não volta atrás…
Texto escrito por uma “orgulhosa” ex-fumadora que preferiu não ser identificada