Refletir, escrever, fantasiar, seduzir, comunicar, informar. Viver

Etiqueta: pobreza

Ronda das Almas em Luang Prabang

á lá vão uns meses desde que estive em Luang Prabang, em Laos, mas as recordações continuam vivas. São boas e mais que muitas. O país é pobre, as pessoas humildes, simpáticas e acolhedoras. A pobreza é visível. A solidariedade e a partilha também. A Cerimónia da Ronda das Almas é uma prática budista, realizada desde o século XIV, que consiste na doação de alimentos por parte da população local aos monges e noviços dos mosteiros da cidade.

Vale a pena acordar cedo para assistir, às 5h30, a este “ritual religioso” tão bonito e cheio de simbolismo. Todos os dias, ao nascer do sol, a população junta-se nas principais ruas da cidade para fazer as suas oferendas aos monges. Os alimentos doados são parte da única refeição diária que consomem. Contudo, estes ainda as partilham com quem mais precisa. Arroz, frutas e doces são as doações mais comuns.

Pelo que percebi, para os budistas a cerimónia da ronda das almas é muito mais que uma simples doação de comida ou ato de caridade. De acordo com a sua crença budista, fazer esta oferenda é uma forma de acumular méritos. Para os monges é uma maneira de exercitar a humildade.

Ajoelhados em tapetes ou sentados em pequenos bancos à beira da estrada, homens, mulheres e crianças esperavam a passagem dos monges, que iluminados pelas suas vestes laranja começaram a aparecer silenciosamente. A cerimónia é imponente. Senti respeito, admiração.

São rápidos, passam em procissão, recebem as oferendas, partilham-nas com as várias crianças pobres que se alinham à sua frente, esperando que as redistribuam, e seguem. Muitos deles são também ainda crianças! Pequenos monges que os pais enviam para os templos, para que tenham uma educação melhor e para que a família acumule méritos.

Assistir à ronda das almas foi ter tido o privilégio de ver com os meus próprios olhos o forte senso de comunidade e generosidade desta população. Sentir-me conectada a uma força e energia maiores!

Será “pobreza” obrigatoriamente sinónimo de “miséria”?…

Batman e as amigas

… Não sei, mas defendo que não! Não é de todo a pobreza que faz das pessoas miseráveis. Até porque, a meu ver, trata-se de um adjetivo muito forte para atribuir a alguém apenas porque não tem dinheiro, tem uma casa mais pequena e com poucas condições… ou simplesmente uma forma “diferente” de estar na vida.

A semana passada fui até ao norte do país fazer uma reportagem. Um dos entrevistados era um muito simpático e castiço médico, com quem já trabalho há anos e, quando possível, costumo conversar.

Entre entrevistas e fotografias às instalações, aos seus colegas e aos doentes, o médico sugeriu que fizéssemos uma pausa e fossemos até ao bar. “Sabe, Sra. Dra. – é assim que me trata apesar de eu já lhe ter dito milhares de vezes para me chamar Sílvia – este ano vou de férias para o Perú”, contou, enquanto eu punha água no café e ele dava a primeira dentada num dos dois húngaros que pediu para o seu lanche matinal.

“Perú! Espetacular”, respondi. Falámos um pouco sobre a viagem que vai fazer e o que o levara até lá, até que resolvi falar das minhas últimas e ainda muito recentes férias. Disse-lhe que estive no Sudeste Asiático, que passei por Hong Kong, Macau, algumas cidades do Vietname, Luang Prabang em Laos e Bangkok na Tailândia.

“Conheço todos esses países, menos o Vietname! Do que é que gostou mais?”, perguntou-me. “Luang Prabang, em Laos!!!”, respondi com entusiasmo e sem pensar duas vezes. “Isso é uma miséria”, respondeu!

Fiquei boquiaberta! Quase me senti ofendida, como se fosse um deles e defendi-os, claro está, como se de familiares meus se tratassem! Senti-me tão bem em Luang Prabang!

Foi nesta altura que eu e os Sr. Dr. começámos a discordar. E foi assim que comecei a pensar no que realmente é importante e naquilo que precisamos para ser felizes. Para ele Laos é um país de pessoas pobres, “miseráveis”, com falta de coisas básicas, onde as crianças não tem com que brincar e andam todas sujas pela rua! É a sua visão e eu respeitei, mas tive de mostrar a minha.

Em Luang Prabang e na Hmong Village a felicidade está a vista de qualquer um. Ela anda por ali de mão dada com aquelas pessoas! Para mim, trata-se de um local de paz, amor, calor, budismo, natureza, alegria e eu fiquei fascinada!

As pessoas de Luang Prabang e da Hmong Village são simpatia, acolhimento, altruísmo. Recebem tão bem e são tão disponíveis. A cidade é muito calma e está cheia de crianças que nos cumprimentam constantemente com um simpático “Sabaidee” (olá em lausiano).

As pessoas da Hmong Village – uma espécie de tribo, se é que lhe posso chamar assim – são livres, vivem felizes e isso é visível aos olhos de quem por lá passa. A paz reina neste local e as crianças são genuinamente felizes. É um privilégio poder estar entre elas e fazer parte das suas brincadeiras.

Talvez não tenham com que brincar, como disse o meu entrevistado, e nem todas as condições de que necessitam nos pequenos bungalows em que vivem. Mas têm saúde, têm o amor da família, têm amigos com quem brincam na rua, têm comida, têm escola… O resto?!  Não sabem que existe. Têm tudo o que precisam!

Não entendo como podemos chamar miserável a alguém que tem “tudo e é tão feliz”! Talvez seja apenas uma questão de prioridades…

Powered by WordPress & Theme by Anders Norén