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Voluntariado com “meninos especiais”: uma lição de vida

Recentemente vivi uma experiência inesquecível, porém muito difícil de traduzir em palavras… Aliás, talvez consiga resumir todos os meus sentimentos num único: gratidão! Passei parte dos meses de dezembro de 2018 a fevereiro de 2019 em Cusco, no Peru, num projeto de voluntariado na Kusi Wasi (Casa Feliz, em Quíchua), um lar para meninos com necessidades especiais e em situação de abandono e maus tratos.

Se podia ter optado por crianças saudáveis? Podia. Se teria sido mais fácil? Nos primeiros dias, com certeza. No entanto, não teria vivido o que vivi, aprendido o que aprendi, sentido o que senti, nem recebido o carinho e o amor que recebi.

Tratam-se de crianças com problemas mentais e/ou físicos, que viveram situações de abandono, maus tratos físicos, abusos sexuais, entre outros. Meninos com histórias de vida tão difíceis, que passaram por situações impensáveis, tão feias… Meninos sofridos, carentes, doentes, com necessidades várias. E, por incrível que pareça, meninos tão ternos, tão meigos, tão… tudo. Crianças que, inconscientemente, exigiram tanto de mim, mas que deram tão mais de si!

Voltei com o coração apertado e já cheia de saudades dos meus “bebés”, com a sensação que o tempo passou ainda mais rápido que o normal e com uma vontade imensurável de regressar. Voltei uma pessoa melhor (espero) e com uma visão muito diferente da vida.

Como não consigo falar muito mais sobre a Kusi Wasi, uma das casas da Asociación de las Bienaventuranzas (ADLB), conversei com o seu diretor, Genaro Bustamante:

“Os voluntários ajudam muito na estabilidade emocional das nossas crianças”

Histórias – Conta-me um pouco da história da Kusi Wasi e da ADLB?
Genaro – 
Somos uma obra de amor que nasceu no coração de Deus, fundada pelo padre Omar Sánchez Portillo. A ADLB situa-se em Tablada de Lurín, Villa María del Triunfo, em Lima, e está, desde maio de 2016, em Cusco, como Kusi Wasi. Trata-se de um espaço que acolhe quem nada tem, quem mais precisa e quem se sente abandonado e sozinho.

Genaro com algumas das crianças da Kusi Wasi

Histórias – Quais os principais objetivos?
Genaro –
 Dar abrigo, cuidados e desenvolvimento integral a estas pessoas, bem como responder às suas necessidades materiais, educacionais, médicas, emocionais e espirituais, sejam crianças, adolescentes, jovens, adultos ou idosos. Todos eles portadores de doença mental, deficiência ou com necessidades especiais de educação e em situação de pobreza extrema, abandono, vítimas de discriminação, de violência e de exclusão social.

Histórias – Atualmente, a Kusi Wasi acolhe apenas crianças e jovens. Quantos vivem neste espaço e qual média de idades?
Genaro –
 Temos 23 crianças e jovens, 8 meninos e 15 meninas. A faixa etária está entre os 8 e os 27 anos.

Histórias – Quais as principais doenças/problemas?
Genaro –
 Temos diferentes tipos de patologias e em todas as suas escalas, deficiência mental, autismo, trissomia 21, esquisofrenia, convulsões, entre outros.

 Histórias – Quantas pessoas trabalharam na Kusi Wasi?
Genaro –
 Somos uma equipa de seis pessoas.

Histórias – Quais são as principais necessidades da Kusi Wasi?
Genaro –
 Alimentação, limpeza e higiene pessoal, materiais de trabalho para realizar as atividades de desenvolvimento motor e educacional e medicamentos – uma vez que a maioria toma fármacos psiquiátricos e/ou anticolulsivos.
Precisaríamos, também, de contratar um professor de espanhol para os que não podem ir à escola. No entanto, não temos verbas para pagar.
Outra grande necessidade, que para nós é muito importante e queremos que este ano se torne realidade, é conseguir fundos para poder construir uma nova casa Kusi Wasi, num terreno de 8 mil metros quadrados, que foi doado ao padre Omar, em 2018. A casa onde estamos atualmente é alugada, pequena e não nos permite ajudar mais pessoas.

Histórias – De que forma podemos ajudar?

Genaro – Com todos os tipos de doações, sejam materiais ou financeiras. Através do nosso site ou da nossa página de facebook. Assim como com um pouco do seu tempo, ajudando nas tarefas diárias e nas atividades da casa.

Histórias – Qual a importância do voluntariado para a Kusi Wasi?
Genaro –
 O tempo dedicado às crianças faz com que se sintam amadas. Os voluntários ajudam muito na estabilidade emocional de cada um deles. Brincando, abraçando, dançando, etc. Também dão muito apoio no que respeita às atividades de desenvolvimento da motricidade.

Histórias – Consideras que os voluntários chegam à Kusi Wasi preparados para encontrar e ajudar estas crianças?
Genaro –
 São muito poucos os voluntários que vêm preparados! Ao início, quase ninguém sabe como reagir, mas basta vir com o desejo de ajudar, de dar amor e de abrir o coração para o receber também.

Histórias – O que é que um voluntário deve saber antes de iniciar o seu projeto na Kusi Wasi?
Genaro –
 Ao início é difícil, mas com o tempo o voluntário aprende e passa a sentir-se parte de tudo!
De qualquer forma, seria bom que se informasse sobre as patologias mencionadas, que trouxesse ideias de atividades para trabalhar com as crianças e que se lembre que a maioria nunca andou numa escola, não tem formação e foi vítima de abuso físico, psicológico e sexual, exploração infantil, entre outros.

Histórias – És jovem, tens 29 anos. Há quanto tempo estás ligado à Kusi Wasi?
Genaro –
 Desde janeiro de 2018. Estive 9 anos no projeto em Lima. O padre Omar precisava de uma pessoa de confiança, que se encarregasse da missão da Kusi Wasi, e falou comigo. Não pude recusar e aqui estou como diretor, procurando o melhor para a Kusi Wasi, em benefício das crianças.

Histórias – O que significa para ti poder ajudar estas crianças e ter um papel tão importante nas suas vidas?
Genaro –
 Só posso agradecer a Deus. Isto é a minha vida. Há muito tempo que pus os meus planos pessoais de lado e decidi ficar na ADLB. É maravilhoso o poder dos meninos de Lima e de Cusco… Mudaram totalmente a minha vida e ensinaram-me a dar amor desmedidamente.

Histórias – Projetos futuros?
Genaro –
 A nova casa. Queremos ampliar o espaço, para hospedar mais crianças e jovens, mas também adultos e idosos, todos com necessidades especiais em situação de abandono.
É uma grande necessidade em Cusco. Temos recusado muitos casos por questões de espaço, o que nos afeta muito, porque sabemos que precisam de nós. Queremos ter quartos adequados às necessidades, áreas de trabalho para os jovens, escola, gabinetes médicos e de terapia e dormitórios para os voluntários.
Gostava que tivesses conhecido o espaço de Lima, para que pudesses ter uma ideia daquilo que queremos desenvolver em Cusco!**

Obrigada Genaro! Com certeza, voltarei para conhecer o espaço em Lima e espero encontrar a “nova Kusi Wasi” a funcionar em pleno!

Por último, mas não menos importante, devo dizer que fiz este projeto de voluntariado através da Iko Poran Volunteer Abroad, uma organização de voluntariado internacional sem fins lucrativos, com sede no Rio de Janeiro, Brasil, a quem devo também agradecer, na pessoa do seu diretor, Luis Felipe Murray, por todo o seu profissionalismo, atenção, acompanhamento e disponibilidade.

Tal como foi referido, a Kusi Wasi passa por diversas necessidades, tanto financeiras, como de material e de recursos humanos e toda a ajuda é bem-vinda. Apoiem a associação, fazendo um donativo através de https://asociacionbienaventuranzas.org.pe/ ou https://www.facebook.com/AsociaciondelasBienaventuranzas/.

É muito importante e os nossos príncipes agradecem!

Hasta luego, Cusco

“A saudade é a voz que grita ‘fica’ na hora da partida”

Partir não é fácil, sobretudo quando deixamos pessoas, projetos e formas de estar e de viver que tanto gostámos de experiênciar, mesmo que por pouco tempo.

Paisagens de sonho, cheiros, sons, sabores, texturas… Abraços apertados que ficam para sempre na memória. Sentimentos.

Hasta luego Cusco. Un dia voy a volver, te lo juro.

Agora é tempo de desfrutar de Lima e dos seus arredores…

Quinta da Regaleira: saída de um “verdadeiro” conto de fadas

“Ficou ali sentada, os olhos fechados, e quase acreditou estar no País das Maravilhas, embora soubesse que bastaria abri-los e tudo se transformaria em insípida realidade…” é mais ou menos assim que me sinto quando vou à Quinta da Regaleira, em Sintra, – “uma” Alice! Louca, curiosa, sonhadora, feliz.

Misteriosa, enigmática, fantástica… a Quinta da Regaleira faz-me sentir como que caída exatamente num conto de fadas. Aliás, este seria o cenário ideal para uma história destas. Ideal e real! E ali, eu sou a Sílvia no País das Maravilhas!

Enquanto observo, cheiro, sinto e desfruto deste lugar “de fantasia” vou-me recordando das falas dos personagens e das passagens do filme! Mais ou menos, como se ao invés de ter atravessado os portões da quinta, tivesse caído, sabe-se lá de onde, no seu Poço Iniciático, que deve esconder tantos ou mais segredos que estas personagens! Até porque, segundo reza a história, o Poço Iniciático é precisamente a representação da passagem pelo inferno, o purgatório e o paraíso…

“Onde fica a saída?”, perguntou Alice ao gato que ria. “Depende”, respondeu o gato. “De quê?”, replicou Alice. “De para onde você quer ir…” A história continua, e tal como a Alice, também eu, muitas vezes, não sei para onde vou ou para onde tenho ou quero ir!

Ainda assim não me importo de me perder na gruta do labirinto! De percorrer os seus caminhos, ouvir as gotas de água que vão caindo aqui e ali, sentir o cheiro a terra molhada, pôr o pé nas poças, admirar os lagos que a rodeiam e, por fim, “ver a luz ao fundo do túnel”! E lá vem novamente a lembrança da Alice: “Entenda os seus medos, mas jamais deixe que eles sufoquem os seus sonhos.”

Também os jardins são maravilhosos e conquistam precisamente pela sua grandeza e beleza, num misto de muito sol e sombra, entre o tão típico e já conhecido micro clima de Sintra. O palácio propriamente dito, o patamar dos deuses – composto por nove estátuas de deuses greco-romanos – , e as muitas fontes, bancos, terraços, torres e portais estão todos eles carregados de muita história e simbolismo, que vale a pena pesquisar, saber e sobretudo ir ver e conhecer a fundo.

A Quinta da Regaleira é, sem dúvida, um espaço verdadeiramente mítico, mágico e de uma beleza fenomenal, onde podemos passar o dia a passear, meditar, refletir… estando abertos às mais profundas e diferentes sensações!

Ah, é verdade, “outra coisa que descobri: rir durante o dia faz com que você durma melhor à noite”, Chapeleiro Maluco!

Saiba tudo sobre a Quinta da Regaleira

Será “pobreza” obrigatoriamente sinónimo de “miséria”?…

Batman e as amigas

… Não sei, mas defendo que não! Não é de todo a pobreza que faz das pessoas miseráveis. Até porque, a meu ver, trata-se de um adjetivo muito forte para atribuir a alguém apenas porque não tem dinheiro, tem uma casa mais pequena e com poucas condições… ou simplesmente uma forma “diferente” de estar na vida.

A semana passada fui até ao norte do país fazer uma reportagem. Um dos entrevistados era um muito simpático e castiço médico, com quem já trabalho há anos e, quando possível, costumo conversar.

Entre entrevistas e fotografias às instalações, aos seus colegas e aos doentes, o médico sugeriu que fizéssemos uma pausa e fossemos até ao bar. “Sabe, Sra. Dra. – é assim que me trata apesar de eu já lhe ter dito milhares de vezes para me chamar Sílvia – este ano vou de férias para o Perú”, contou, enquanto eu punha água no café e ele dava a primeira dentada num dos dois húngaros que pediu para o seu lanche matinal.

“Perú! Espetacular”, respondi. Falámos um pouco sobre a viagem que vai fazer e o que o levara até lá, até que resolvi falar das minhas últimas e ainda muito recentes férias. Disse-lhe que estive no Sudeste Asiático, que passei por Hong Kong, Macau, algumas cidades do Vietname, Luang Prabang em Laos e Bangkok na Tailândia.

“Conheço todos esses países, menos o Vietname! Do que é que gostou mais?”, perguntou-me. “Luang Prabang, em Laos!!!”, respondi com entusiasmo e sem pensar duas vezes. “Isso é uma miséria”, respondeu!

Fiquei boquiaberta! Quase me senti ofendida, como se fosse um deles e defendi-os, claro está, como se de familiares meus se tratassem! Senti-me tão bem em Luang Prabang!

Foi nesta altura que eu e os Sr. Dr. começámos a discordar. E foi assim que comecei a pensar no que realmente é importante e naquilo que precisamos para ser felizes. Para ele Laos é um país de pessoas pobres, “miseráveis”, com falta de coisas básicas, onde as crianças não tem com que brincar e andam todas sujas pela rua! É a sua visão e eu respeitei, mas tive de mostrar a minha.

Em Luang Prabang e na Hmong Village a felicidade está a vista de qualquer um. Ela anda por ali de mão dada com aquelas pessoas! Para mim, trata-se de um local de paz, amor, calor, budismo, natureza, alegria e eu fiquei fascinada!

As pessoas de Luang Prabang e da Hmong Village são simpatia, acolhimento, altruísmo. Recebem tão bem e são tão disponíveis. A cidade é muito calma e está cheia de crianças que nos cumprimentam constantemente com um simpático “Sabaidee” (olá em lausiano).

As pessoas da Hmong Village – uma espécie de tribo, se é que lhe posso chamar assim – são livres, vivem felizes e isso é visível aos olhos de quem por lá passa. A paz reina neste local e as crianças são genuinamente felizes. É um privilégio poder estar entre elas e fazer parte das suas brincadeiras.

Talvez não tenham com que brincar, como disse o meu entrevistado, e nem todas as condições de que necessitam nos pequenos bungalows em que vivem. Mas têm saúde, têm o amor da família, têm amigos com quem brincam na rua, têm comida, têm escola… O resto?!  Não sabem que existe. Têm tudo o que precisam!

Não entendo como podemos chamar miserável a alguém que tem “tudo e é tão feliz”! Talvez seja apenas uma questão de prioridades…

Regresso…

Os raios de luz que entram por entre o estore do quarto, o escuro e o silêncio que me transmitem paz e me permitem refletir e o som do despertador que insiste em lembrar que está na hora de acordar e que tudo nasce de um novo amanhecer.

Nem pensar em me levantar já! Volto-me para o outro lado e abraço a almofada com toda a força do mundo. A história repete-se a cada manhã… Levanto-me e na azáfama da luta contra o relógio, abro os estores, ligo o rádio bem alto e entre espreguiçadelas, bocejos, cantorias e passos de dança digo bom dia ao mundo.

Bolas, está quase na hora de sair de casa e ainda estou nestes preparos! Arranjo tudo o que há para arranjar, tomo o pequeno-almoço e saio na correria. Mas onde é que deixei o carro ontem?! Ah já sei!

Digo bom dia à Dna Madalena, uma doce velhinha de 90 anos, que àquela hora já está à janela do seu R/C a ver quem passa, e sigo. Pelo caminho encontro o rapaz mais porreiro do bairro e com quem tanto gosto de conversar. Logo agora que não tenho tempo! Aceno, sorrio e continuo. “Então miúda?! Estou a ver que estás de volta ao trabalho!”, ouço.

Verdade, após dias e dias de ausência, está na altura de voltar, ainda assim com tantos sonhos e outros projetos pessoais e profissionais por concretizar! Entro no carro e enquanto conduzo lembro-me que o sonho comanda a vida, que querer é poder e que acreditar e pensar positivo é meio caminho andado para conseguirmos tudo o que queremos. Não tivesse eu lido tantos livros de autoajuda!

Ponho a música bem alta e entre cantorias, buzinadelas e pensamentos menos bonitos sobre os condutores da frente, do lado e arredores vou arrumando as ideias e fazendo a lista de prioridades para o dia. Assusto-me com o som estridente e ensurdecedor da campainha do elétrico, aquele que tanto caracteriza os bairros típicos de Lisboa e que os turistas tanto gostam. Já devia estar mais que habituada!…

Finalmente chego ao trabalho e a horas! Ligo o computador, bebo um café… O elevado número de emails, recados e os cumprimentos mais efusivos de alguns colegas, que me perguntam se estou bem e o que tenho andado a fazer, fazem-me perceber que tudo voltou a ser como antes:

“Bom dia Sílvia, bem-vinda à realidade!”

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